18 anos e um amor profundo às ovelhas da Serra da Estrela: assim é o mais novo pastor de Oliveira do Hospital

 

Como se define um grande amor? Daquele que nos molda a vida, ocupa o pensamento dia e noite, e dá alento quando a vida corre torta? Alguns afirmarão com certezas que o frio na barriga denúncia o grau do encanto. Edgar Pinto, o mais novo pastor do concelho de Oliveira do Hospital, dirá que é saber, no âmago da alma, que o seu mundo só faz sentido quando está de olho no rebanho. Que não há paz igual à que o abraça quando percorre os campos em busca do melhor pasto, com vista desafogada para as Aldeias de Montanha da Serra da Estrela. Chegado à maioridade há pouco tempo, Edgar já comanda a vida com uma certeza: ser pastor é a liberdade no estado mais puro.

O amor pelas ovelhas é fascínio que vem desde gaiato. Lembra-se bem da admiração que sentia de cada vez que o Sr. Carlos, um pastor seu vizinho em Lagares da Beira, orientava o rebanho pelas ruas da vila. “Todos os dias, quando o sol raiava e depois ao anoitecer, ele passava à minha porta e eu ficava maravilhado com aquilo. Parecia um espetáculo: as ovelhas, o som dos badalos a chocalhar, o rebanho todo organizado. Era lindo de ver!”, recorda Edgar. Por essa altura, as ovelhas ainda não eram presença lá por casa. A pastorícia não era ofício com tradição na família, mas o encanto de Edgar pelas ovelhas era semente que germinava a cada dia. “Quando tinha sete anos, lembro-me de pedir muito (muito!) ao meu pai para me comprar uma ovelha. Depois de algum tempo a insistir, lá consegui o meu desejo e a Miquelina passou a ser a minha companhia de eleição”, lembra, com saudade. Começava aí um grande amor.

Edgar nunca foi um bom aluno, confessa-o sem problema. As matérias dadas na sala de aula não lhe prendiam a atenção, e os ponteiros do relógio pareciam andar a um ritmo mais lento dentro daquelas quatro paredes. A escola parecia um íman para os disparates típicos da adolescência, por isso em boa hora Edgar decidiu que elaboradas equações e bonitas composições não eram para si. Queria estar lá fora, com a pele a queimar com o sol de inverno e os pelos na nuca a eriçar com a brisa do final do verão. “Muitas vezes fugi da escola para vir para junto do rebanho!”, recorda a rir. Aos dezasseis anos Edgar comprou a primeira ovelha, à escondida dos pais. “Juntei dinheiro durante alguns natais e aniversários, e quando alcancei o montante que precisava, fui ter com um senhor a Lagares e comprei-lhe uma borreguita, muito enfezada. Quando cheguei a casa, pus a pequenita à porta da cozinha e chamei a minha mãe. A reação não foi lá muito boa…”, lembra a rir.

Hoje o rebanho de Edgar conta com treze ovelhas de raça bordaleira Serra da Estrela e três cabrinhas. Durante o dia andam livres no pasto, que corre paralelo à avenida principal que percorre Lagares da Beira, mirando ao longe os sopés cobertos de giestas da Serra da Estrela. De manhã, quando Edgar saí para o trabalho – aplica tetos falsos- é a mãe que lhes abre a porta para mais um dia no pasto. “Lá no fundo, bem no fundo, a minha mãe hoje até já gosta das ovelhas!”, conta, divertido. Depois de uma longa jornada de volta de colas e pladur, o dia de Edgar ainda continua por mais um par de horas: é preciso recolher o rebanho para a loja, deitar ração e palha nas manjedouras, fazer as camas e garantir que nada lhes falta. “Não vejo isto como um negócio, porque elas são tratadas com mil cuidados, umas rainhas!”, ri-se. “No futuro gostava de ser financeiramente independente com a ajuda delas, nunca às suas custas. E há uma grande diferença nisso. Estas ovelhas são como família para mim”, confessa.

Em breve, Edgar partirá em romaria para abençoar o seu rebanho. Manda a tradição que, a cada domingo de Pascoela, os pastores do sopé da Serra da Estrela se juntem à volta da capela de São Geraldo, na freguesia de Covas. Em nome da prosperidade, fertilidade e proteção, os rebanhos são engalados com pompons coloridos e dá-se uso aos melhores chocalhos. Ali, abençoados pela divindade, os pastores da região dão três voltas a caminhar e outras três a correr à volta da capela ao lado das suas ovelhas. Dia 16 de abril, na companhia do Sr. Carlos, Edgar lá estará a rezar para afastar maleitas e pedir fertilidade. Ainda vizinhos na vila de Lagares da Beira, Edgar e o Sr. Carlos são agora companheiros de romaria, mas também confidentes das alegrias – e também de algumas agruras- de quem dedica a vida a estes animais. “O Sr. Carlos, hoje com mais de 50 anos, mira-me com brilho no olhar quando passo com o meu rebanho. Esta é uma tradição com cada vez menos pessoas, e sei que ele fica orgulhoso por saber que há alguém – ainda por cima tão jovem! -, que vai continuar o seu trabalho de tantos anos”, confessa, com carinho na voz.

Edgar é a exceção numa geração que desde cedo descartou a pastorícia como modo de vida. “No meu grupo, mais ninguém se dedica às ovelhas. Estranham a minha paixão, porque sabem como era difícil para as suas famílias ter o ovil cheio de animais para cuidar”, conta. “Dizem-me que ter animais é uma prisão, mas para mim não é assim. Claro que é uma enorme responsabilidade, temos de cuidar deles todos os dias sem exceção, mas eu prefiro estar ali com elas, no sossego do campo, do que andar de festa em festa”, garante. Mas não se pense que isso significa sempre deitar cedo e cedo erguer, nada disso. “Sou jovem, às vezes também saio até altas horas, mas sei que mesmo se chegar de madrugada, quando o despertador bater nas oito horas da manhã, tenho de estar a pé para lhes abrir a porta para o pasto. Aconteça o que acontecer, elas são sempre a prioridade”. No amor é mesmo assim.

Texto: Maria João Alves