Honrar a tradição: alguns dirão que o conceito está em desuso, que no mundo atual só há espaço para o futuro, que o que já lá vai, lá vai. Nuno Ribeiro, empresário da castanha em Celorico da Beira, tem dificuldade em concordar com esta ideia. Aliás, o seu dia a dia na empresa Secas e Boas é a prova de que a tradição também pode ser futuro. Mas não se caia no erro de pensar que, para ele, respeitar a tradição significa imitar os passos dos antecessores. Longe disso. Para Nuno, as linhas traçadas pelos que ficaram lá atrás funcionam como uma bússola, mas o caminho que se desenha à sua frente é, sem sombra para dúvidas, bem mais aliciante.
Na sua memória continua bem presente o cheiro das castanhas a secar no caniço por cima da lareira da casa dos avós maternos, num aroma que ainda hoje lhe parece abraço. “Havia um caniço na lareira onde se secavam os enchidos e, um pouco acima, outro cheio de castanhas, para se aproveitar o calor da madeira”, recorda. Lá por casa, a fruta de casca sedosa tinha lugar cativo no prato todo o ano, com mérito para ser mais que uma iguaria reservada aos dias mais frios, quando o corpo clama por conforto. Ali, entre caniços de pau de castanheiro, Nuno aprendeu que marcasse o calendário janeiro ou queimasse o sol de agosto, a castanha podia ser sustento para os estômagos mais famintos todo o ano. “A castanha pilada pode ser consumida todo o ano e foi isso que quisemos honrar. Este é um alimento com enorme potencial, mas infelizmente o seu uso ficou um pouco esquecido”, lamenta.
Criada em 2016 por Nuno e pela mulher, Inês, a Secas e Boas entrou no mercado com uma premissa bem definida. Não queriam ser mais uma empresa de venda de castanhas, os planos eram mais grandiosos. “O nosso objetivo é apresentarmos, de forma mais comercial, um alimento que pode ser consumido todo o ano. A castanha pilada ainda está muito associada às pessoas de mais idade – até porque são elas que melhor as sabem confecionar! – e nós queremos mudar isso”, afirma, convicto. O objetivo? “Honrar as castanhas como eram no tempo dos nossos, para que passem a ser também dos nossos filhos, netos e por aí adiante”, diz, com esperança.
“Sempre tive o bichinho de ter o meu próprio negócio. Sou engenheiro mecânico – hoje professor de mecânica-, mas com o tempo essa atividade passou a não me ser suficiente. Trabalhei fora muitos anos, mas em 2011 comprei uma quinta com dez hectares de castanheiros, e aí começou a nossa produção de castanha pilada”, recorda com saudade. “Em 2011 começámos a aproveitar parte da produção com calibre mais pequeno, e a secar a castanha, imitando o caniço do meu avô, mas agora com um tamanho muito superior!”, lembra, entre sorrisos. “Até que a nossa produção já não era suficiente para as encomendas e começámos a comprar a produtores locais”, conta, com orgulho. Hoje é ali perto, nos campos repletos de soutos centenários ao largo de Prados, uma bonita aldeia da Rede de Aldeias de Montanha da Serra da Estrela, que Nuno encontra muitas das castanhas usadas na sua produção.
A procura pela sustentabilidade, seja em termos energéticos, ambientais ou mesmo financeiros, tem sido uma demanda para o casal desde o primeiro momento. Não lhes fazia sentido de outra maneira. “Desde o início, tive a certeza de que para sermos bem-sucedidos, era preciso otimizar todas as etapas do negócio. Assim, compramos a produtores locais biológicos, secamos as castanhas com biomassa, temos desperdício zero. Tudo para termos o menor impacto possível”, explica. “Estamos empenhados em apoiar a agricultura local com qualidade, tão importante para estas comunidades. Neste momento, estas pequenas empresas são um motor vital para o desenvolvimento sustentável da região. Porquê? Porque têm mais resiliência, são construídas com outra fibra!”, afirma perentório.
Com um volume de negócio anual a rondar os 100 mil euros e uma equipa de dez colaboradores durante a época alta da apanha da castanha – começa em outubro e estende-se até janeiro -, Nuno comprova na prática o real significado da palavra resiliência. Foi essa força que não o deixou desistir, quando há uns anos lhe pediram perto de 300 mil euros por uma máquina para fazer flocos, um valor incomportável para uma pequena empresa. “A minha veia de engenheiro mecânico não descansou enquanto não consegui fazer uma máquina que se adaptasse às nossas necessidades. Andei anos a magicar uma solução e hoje digo com satisfação, que somos a primeira empresa na península ibérica a fazer flocos de castanha”, afirma, com orgulho. “Muitas noites em branco depois, transformámos a castanha pilada (mais dura) em flocos que são facilmente comestíveis. São um snack de excelência!”, garante Nuno.
Frutos secos produzidos localmente como a amêndoa ou a noz, leguminosas como o grão-de-bico ou o feijão frade também fazem parte da lista de produtos, mas não há dúvida que aqui a castanha é a rainha incontestável. Castanhas secas e piladas, flocos de castanha e farinha de castanha roubam facilmente suspiros de gulodice a quem vislumbra as embalagens, e são um caso de sucesso no mercado italiano, ávidos consumidores de castanha todo o ano. “Lá fora, Itália é sem dúvida o nosso melhor cliente, consomem castanha o ano todo! Por cá, foi-se perdendo essa tradição culinária e nós queremos- e vamos! – mudar isso!”.
Texto de Maria João Alves | Fotografias de Pedro Ribeiro
Deixe o seu comentário