A pele das suas mãos é áspera como a madeira que trabalha, os dedos estão calejados pela força da plaina e as costas não se endireitam totalmente há muito tempo. Joaquim Venâncio, 80 anos celebrados há um par de dias, tem cravado no corpo o resultado de uma vida dedicada à arte da cestaria em madeira do castanho. Há 68 anos que, dia após dia, se molda aos caprichos da madeira, afoita como poucas matérias-primas. Sabe-lhe as voltas, conhece-lhe as manhas, tem-lhe um profundo amor.
Joaquim nunca quis ser outra coisa. Soube desde tenra idade que o ofício de cesteiro lhe estava destinado, a tradição assim o ditava. “Naquele tempo dava-se continuidade ao ofício dos pais. Para aprender outra arte era preciso dinheiro e nós não tínhamos”, lembra. “Comecei a fazer isto com o meu pai, ainda gaiato. Vinha da escola, fazia os deveres e depois ia passar as madeiras. No final da 4ª classe, já estava aqui a trabalhar. A ideia sempre foi continuar a arte do meu pai. Nem se punha outra hipótese”, recorda.
Foi em Famalicão da Serra, uma bonita aldeia que integra a Rede de Aldeias de Montanha da Serra da Estrela, que Joaquim aperfeiçoou o ofício que lhe desde cedo lhe preenchia os dias. Ali se tornou homem e se apaixonou. A única ausência da terra amada aconteceu entre 1964 e 1966, para ir lutar uma guerra que não era sua, na Guiné-Bissau. Casou em 1966, logo depois de regressar do Ultramar. “Cheguei aqui em maio, em novembro estava a casar. Ainda namorei muito por carta!”, lembra, divertido. “Ainda hoje, já depois dos 80 e de 56 anos casado, continuamos a namorar. Sou um homem feliz!”, diz com ternura.
Os leigos na matéria dirão que a cestaria se resume ao entrelaçar continuo de varas de madeira, reticentes em reconhecer-lhe o estatuto de arte. Joaquim não se ofende com tal desmérito. Sabe bem o trabalho posto em cada peça que sai da sua oficina, conhece como poucos o ténue limbo entre a rigidez do material e a candura necessária para o moldar. Percebe que este é um ofício de esperas, em que o mais paciente sai sempre vencedor. Sabe de que nada vale apressar o calendário: a madeira mais grossa, usada para a fundagem do cesto, precisa de três meses na terra para amaciar. “Depois disso ainda volta ao lume, é rachada e põe-se a secar. Ao longo do ano vamos metendo em água, conforme vamos precisando, para a hidratar”, explica Joaquim.
Depois de quase sete décadas de trabalho dedicado à arte da cestaria em madeira do castanho, Joaquim começa finalmente a ouvir os sinais do corpo quando este lhe clama por algum descanso. O peso do machado que, outrora, usava para rachar os enormes troncos que cresciam selvagens para os lados do rio Mondego, está bem visível na sua coluna. Na alma o ofício nunca lhe pesou, bem pelo contrário, mas as longas horas curvado sobre os cestos deixaram uma longa lista de maleitas no seu corpo. “É um ofício muito duro, já ninguém quer aprender isto. Dá-nos cabo das costas e andamos sempre rotos! Se não lhe tivesse amor, já não trabalhava há muito tempo. Esta arte morre comigo”, lamenta. “Mas enquanto tiver forças, vou continuar a fazer isto. Já hoje fiz três cestos!”, diz com orgulho.
Em breve, no Festival da Castanha e da Jeropiga de Famalicão da Serra, Joaquim terá mais uma vez a porta da sua oficina aberta para quem quiser entrar. Cestas de meia, onde antigamente as senhoras colocavam os novelos de lã quando estavam a tricotar; cestas de quarta para apanhar castanhas ou batatas; cestas de meia arroba ou de arroba inteira: todas estarão disponíveis. Modesto, Joaquim tem dificuldade em dizer qual o seu produto de eleição. “Gosto de fazer todos os cestos, mas os maiores dão-me um bocadinho mais de lucro!”, confessa a bom rir.
Ser feliz no trabalho foi e continua a ser a máxima que guia Joaquim, 68 anos depois do primeiro cesto moldado. “Posso estar em casa, com dor de cabeça ou sem saber o que fazer. Venho para a oficina, começo a trabalhar e nunca mais me lembro de doenças, passa-me logo o queixume! É remédio santo!”, ri. Ser feliz no trabalho e na vida, uma arte que Joaquim domina na perfeição.
O festival da Castanha e da Jeropiga de Famalicão da Serra integra o Plano de Animação da Rede de Aldeias de Montanha, no âmbito da Estratégia de Eficiência Coletiva PROVERE iNature, e é cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através do CENTRO 2020 — Programa Operacional Regional do Centro.
Texto de Maria João Alves | Fotografias de Pedro Ribeiro e Miguel Proença
Excelente!
[…] a palha, o junco e outras fibras de origem vegetal na produção de cestos, chapéus e malas. É o caso de Joaquim Venâncio, um notável artesão de Famalicão da Serra, uma bonita aldeia que integra a Rede de Aldeias de […]