José Francisco Rolo é, desde 2016, Presidente da ADIRAM – Associação de Desenvolvimento Integrado da Rede das Aldeias de Montanha. Em entrevista ao blog das Aldeias de Montanha fala sobre o verão de 2022 e suas consequências, desconstrói preconceitos ligados às aldeias do interior, com uma certeza sempre presente: o futuro passa pelas Aldeias de Montanha.
– 2022 foi um ano terrível para a Serra da Estrela, com mais de 26 mil hectares do seu território fustigado pelas chamas. A ADIRAM- Associação de Desenvolvimento Integrado da Rede das Aldeias de Montanha, tal como acontece desde a sua constituição, terá um papel fulcral no revitalizar deste território. Que medidas estão a ser tomadas no imediato para mitigar os danos na região?
Sim, foi um ano marcado pela tragédia dos incêndios o que obviamente impactou o território, em particular o turismo. Mas é importante referir que a Serra da Estrela não se esgota naquela que foi a área ardida. Há muito para visitar e descobrir. Há um conjunto de medidas, não sob a alçada direta da ADIRAM, mas que serão implementadas no território e a muito curto prazo. E aqui destaca-se a Resolução do Conselho de Ministros 83/2022, do passado dia 27 de setembro. Nela são identificadas um conjunto de medidas de resposta imediata, a iniciar até ao final de 2022, destinadas a ações de estabilização de emergência e ao apoio social e económico às populações, empresas e municípios, nas áreas da proteção civil, economia, trabalho, solidariedade e segurança social, ambiente, infraestruturas e habitação e agricultura.
Nesta resolução consta ainda um Programa de Revitalização do Parque Natural da Serra da Estrela, que envolve as diferentes áreas de governação e que se materializa num grupo de trabalho, responsável pela elaboração do PRPNSE. Este Plano, terá de assumir uma visão clara e estruturante para o território e ser capaz de responder aos anseios das comunidades. Por parte da ADIRAM, e enquanto entidade que integra este grupo de trabalho, este Plano tem que ser um instrumento ágil e capaz de tornar a região mais empreendedora, resiliente e participativa no sentido de construir um futuro mais coeso e sustentável.
– As Aldeias de Montanha contam com uma rede de 41 aldeias, distribuídas geograficamente entre o Parque Natural da Serra da Estrela e áreas adjacentes e Paisagem Protegida da Serra da Gardunha, integrando 9 concelhos: Covilhã, Seia, Guarda, Manteigas, Celorico da Beira, Oliveira do Hospital, Gouveia, Fundão e Fornos de Algodres. Como se mantém a coesão num território tão vasto e com tantos intervenientes? Qual o impacto que esta rede tem nas comunidades?
A Rede das Aldeias de Montanha tem a sua base de assentamento institucional, uma parceria consolidada com os nove municípios- uma espécie de pacto para o desenvolvimento e cooperação, com uma forte ligação às comunidades locais e aos agentes económicos, uma articulação formulada: território, parceria, pessoas, comunidades-saberes, negócio, inovação e criatividade.
Esta gestão à escala supramunicipal tem em consideração o desenvolvimento de sinergias, a capacidade de promover parcerias e interações entre as partes direta ou indiretamente interessadas no projeto, sejam elas de dentro ou de fora do território. As Aldeias de Montanha são uma rede de cooperação que, por sua vez, fomenta lógicas de “coopetição” em que o todo é mais eficiente que a soma das partes. Esta é uma rede de proximidade de interesses e de partilha de esforços, o que implica um modelo de gestão que mobiliza e compromete a longo prazo um largo espectro de agentes locais. Só assim tem sido possível captar recursos, meios e vontades no exterior.
Com efeito, a Rede das Aldeias de Montanha, e todos os produtos e serviços endógenos que esta promove e dinamiza são o fator integrador necessário a essa estratégia ambiciosa. E aqui destacamos: o Plano de Animação da Rede de Aldeias de Montanha fortemente conectado com a identidade local, a 1.ª Rede de Coworking Rural em Portugal com os espaços Cooperativa Cowork @Aldeias de Montanha, o projeto Queijeiras- as Guardiãs da Montanha, a plataforma de Crowdfunding para as Aldeias de Montanha – que temos a certeza será um poderoso instrumento para promover a cidadania ativa e participativa-, e mais recentemente o Museu do Futuro das Aldeias de Montanha, um projeto apoiado pelo BPI Fundação La Caixa. Este são alguns exemplos que foram capazes de mobilizar os vários territórios desta rede e tiveram a capacidade de captar recursos do exterior.
Um dos maiores desafios do trabalho em rede à escala supramunicipal é a articulação entre agentes de diferentes concelhos. Se a nível local essa convergência já é um desafio, a nível supramunicipal o desafio é ainda maior em prol de um objetivo comum. Os territórios têm escalas de geometria variável e o mesmo acontece com as identidades. Se um agente local tende a identificar-se naturalmente com uma identidade municipal (o espaço do seu concelho), a nível supramunicipal isso já não é tão evidente. Na prática, pretende-se assumir uma identidade supramunicipal, a marca “Aldeias de Montanha”, como uma referência da Serra da Estrela, que tem nas comunidades locais o seu maior atributo. Este é o ADN das Aldeias de Montanha.
– O que reserva o futuro às Aldeias de Montanha? O que há ainda por fazer?
Sentimos e assumimos que há um conjunto de aldeias que estão obviamente no pelotão da frente. E isso é saudável! Aldeias ou vilas em que, até há pouco tempo, não fazia qualquer sentido falar de turismo. Em alguns locais, se há sete anos um turista perguntasse o que podia fazer ou visitar, era imediatamente enviado para a Torre. Hoje muitas das nossas aldeias têm infraestruturas turísticas, percursos pedestres, praias fluviais, espaços museológicos. Videmonte tem pela primeira vez um restaurante! Na mesma aldeia onde as ovelhas saem todos os dias para o pasto, onde se faz queijo Serra da Estrela e se cultiva o campo, há pessoas a trabalhar nos coworks para o “mundo”. É esta disrupção que queremos seja a norma. As aldeias não podem ficar reféns do passado, mas sim evoluir com este e construir futuro.
Há certamente muito para fazer e aqui destacamos a habitação, onde defendemos um instrumento ágil que incentive a reabilitação urbana ou o arrendamento acessível nas aldeias. Estamos também a preparar-nos para testar numa Aldeia de Montanha um modelo para A mobilidade no território rural é uma enorme fragilidade que tem de ser resolvida, mas os avanços tecnológicos e a transição energética poderão dar essa resposta a curto prazo. E nós, na Rede de Aldeias de Montanha e em parceria com os Municípios, vamos começar a testar esta solução. Sim, porque é isso mesmo que se pretende no território: implementar um sistema de inovação que teste novas soluções e abordagens para os problemas das pessoas.
A frase não é minha, mas não tenho duvidas que as aldeias serão um produto de luxo no futuro. A exclusividade manter-se-á sempre, mas o que entendemos como luxo está cada vez mais conectado com o que é genuíno e autêntico. E as Aldeias de Montanha são isso mesmo, autênticas e genuínas. O que queremos ativar é isso mesmo. Pegar nas suas fragilidades e transformá-las em vantagens competitivas.
– Como se pensa uma Estratégia de Marketing Territorial para o espaço “Aldeia” quando para muitos, e erradamente, pensar em aldeias do interior ainda significa abandono, pobreza e declínio?
As amenidades locais, os fatores endógenos, e sempre em primeiro as pessoas e natureza, apresentam-se como os grandes fatores diferenciadores e indutores de uma estratégia de marketing territorial, capaz de incrementar a atratividade dos territórios.
A estratégia de comunicação e marketing das Aldeias de Montanha está muito centrada em transformar produtos e ofertas informais em produtos e ofertas de especialidade, diria mesmo de luxo. Emergir num mundo à parte, um mundo precioso e puro que raramente se encontra, e que está cá em cima… na montanha! Potenciando um círculo virtuoso de criação de rendimento e de emprego local.
No entanto, tudo isto exige inovação, não só através do design, imagem e apresentação, como também a nível da inovação organizacional e neste contexto realçar que a ADIRAM, integra o PROVERE das Áreas Protegidas e Classificadas da Região Centro. Havendo assim mais valias a nível organizacional e institucional.
A estratégia em curso na Rede de Aldeias de Montanha não é de atração de massas! As pessoas que se sentem atraídas pelos valores que são intrínsecos a este território de montanha, querem sentir a identidade e cultural local, os costumes, as tradições e saberes que caracterizam esta zona. Neste contexto, esta estratégia está a ser implementada de forma cuidadosa e sustentável, tendo em conta o carácter sensível e único que se pretende preservar e enaltecer.
Texto: Maria João Alves
Parabéns pela iniciativa!. Votos de felicidades e muito ânimo para um projecto tão importante e de grande responsabilidade. Na medida em que envolve cinergias inter concelhos. De forma a preservar a caracterização das comunidades (O LUXO DO AUTENTICO), em contexto actual.