Ainda está frio, ainda chove, ainda há neve – mas a primavera chega na próxima semana. Com ela, aproximam-se também as breves férias da Páscoa, o 25 de abril e o primeiro de maio. Este calendário auspicioso é um dos motivos para partir à descoberta do território das Aldeias de Montanha, e podemos juntar mais uns quantos: paisagem natural incrível, gente genuína, gastronomia singela e aconchegante.
Hoje vamos explorar as cinco Aldeias de Montanha do município de Gouveia: Aldeias, Figueiró da Serra, Folgosinho, Mangualde da Serra e Melo.
Com um certo passado romano, muito presente em toda esta região, Gouveia recebeu sucessivos forais: em 1186, por D. Sancho I; em 1217, por D. Afonso II; e em 1510, por D. Manuel I.
A pastorícia e a transumância foram pilares económicos que levaram ao desenvolvimento da indústria dos lanifícios. Ao longo do séculos XIX e XX, Gouveia foi um centro de evolução industrial, com uma comunidade operária vibrante e esclarecida. Aqui, em 1870, estavam 20 dos 57 teares mecânicos a funcionar em Portugal e, no final do séc. XIX, Gouveia era o sexto maior centro urbano de faturação industrial em Portugal.
Em Agosto de 1902 teve início um movimento grevista com enorme impacto, com suporte e cobertura nacionais, que ficou conhecido como a primeira grande greve operária em Portugal.
A riqueza da região é visível na sua arquitetura monumental, como o solar dos Serpa-Pimentel (Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira), o Colégio dos Jesuítas (Paços do Concelho), o Solar dos Condes de Vinhó e Almedina (Museu de Arte Moderna Abel Manta), o Convento do Espírito Santo, a Igreja de São Pedro, a Igreja de São Julião e a Igreja da Misericórdia. Durante o século XX, a Romaria do Senhor do Calvário (segunda segunda-feira, a seguir ao segundo domingo de Agosto) chegou a ser considerada a maior Romaria das Beiras.
Aldeias, Aldeia de Montanha
Aldeias sempre foi terra de pastores, produtores de lã, de carne e de queijo Serra da Estrela. Esta aldeia de nome plural e redundante resulta da junção das aldeias vizinhas de Alrote e São Cosmado e prossegue a sua atividade agrícola e pastorícia de tradição centenária.
Vale a pena descobrir a Igreja Matriz ou Igreja de São Cosme, do século XVII, e o seu magnífico companheiro: um imponente carvalho-alvarinho (ou carvalho-roble), com 27 metros de altura e 28 metros de copa (aparentemente a maior de Portugal), classificado com arvoredo de interesse público.
Por aqui passa a Rota dos Caminhos da Fé (PR2 GVA), um percurso circular de dificuldade média, com 16km que percorre os principais centros de devoção das Aldeias de Montanha de Aldeias, Mangualde da Serra, Moimenta da Serra e Vinhó.
A não perder, bem pertinho em Gouveia, o restaurante tradicional O Júlio, de que já falámos aqui!
Figueiró da Serra, Aldeia de Montanha
Figueiró da Serra tem pouco mais de 8km², cerca de 260 habitantes e pertenceu ao concelho de Linhares até 1855, transitando de seguida para Gouveia. Ainda que pequenina, a sua dimensão geográfica não faz justiça à sua importância histórica.
Por aqui, a Ordem de Malta foi proprietária de importantes bens, razão pela qual o brasão de armas da freguesia ostenta a icónica cruz oitavada. Já na Capela de Santa Eufémia, pode encontrar dois painéis atribuídos a Nuno Gonçalves, pintor do século XV (e autor dos famosos Painéis de São Vicente). Os dias 15 e 16 de Setembro são marcados pela grandiosa romaria em Honra da Virgem e Mártir Santa Eufémia.
Durante a segunda Guerra Mundial, as antigas Minas dos Azibrais abasteciam o exército alemão com volfrâmio para o fabrico de armas.
O passado industrial de toda esta região, da década de 30 até ao final dos anos sessenta é profundamente rico e interessante, merece ser redescoberto!
Folgosinho, Aldeia de Montanha
“Descansemos aqui… e vamos todos tomar um folgosinho de ar!”, terá dito D. Afonso Henriques ao seu exército (ou D. Sancho I, a lenda diverge!).
Senhores da sua importância, os habitantes de Folgosinho reclamam também berço de Viriato, o grande herói lusitano da luta contra os romanos. Diz-se que terá sido Viriato a lançar as primeiras pedras do castelo. O castelo que conhecemos hoje (ou muralha de Folgosinho), nada tem a ver com esta fortificação original: a sua reconstrução data do século XX (1938), e é uma estrutura circular de apenas 10 metros de diâmetro, em quartzo branco-rosado, com uma vista fenomenal.
Esta pequena aldeia é um grande anfitrião gastronómico: cabrito, borrego assado no forno, feijoada de javali ou cabidela de coelho são os pratos postos na mesa que vos espera no restaurante O Albertino.
Para digerir um épico almoço, passeemos pelas ruas decoradas por quadras populares, e ao volante, os Casais de Folgosinho merecem também uma visita. Aqui foi rodado o documentário “Ainda há Pastores?”, de Jorge Pelicano, mantendo-se uma dúzia de Casais habitados que nos proporcionam uma paisagem genuína e gloriosa, com as tradicionais “cortes” de telhados de colmo e o Mondego a correr calmo e sinuoso.
Para os caminhantes, a Rota dos Galhardos (PR1 GVA) é o destino certo, com pouco mais de 10km.
Mangualde da Serra, Aldeia de Montanha
Mangualde da Serra é outra aldeia pequenina: 17 km² de área e 164 habitantes, com ingredientes naturais de pasmar!
Vizinha da barragem e da praia fluvial do Vale do Rossim, inclui também no seu território o Mondeguinho, a 1425 metros de altitude (nascente do Mondego, o maior rio inteiramente português), a famosa Cabeça do Velho (formação rochosa a 1500 metros de altitude) e a Senhora de Monte, local de romaria anual, com capela e parque de merendas, que celebra a lenda das aparições de Nossa Senhora.
Na região, podem ainda visitar a Anta da Pedra da Orca, majestosa nos seus quase três metros e meio de diâmetro, e conitnuar a desfrutar dos clássicos da gastronomia local, de olho na chanfana e no arroz doce.
Melo, Aldeia de Montanha
Melo é a casa de Virgílio Ferreira, um dos grandes autores portugueses do século XX: “escrevo para tornar visível o mistério das coisas. Escrevo para ser. Escrevo sem razão”.
O autor nasceu e escolheu ser sepultado na sua aldeia, de caixão virado para a Serra da Estrela. A praça central da aldeia é o ponto de partida do Roteiro Literário Vergiliano (lá estão inscritas as frases que abrem este texto), com passagens por outros pontos emblemáticos – da casa onde nasceu “ao pé do pelourinho, a empena alta, a fachada toda em lousa como escamas”, já profundamente alterada, à Vila Josephine, a moradia amarela onde cresceu e ficava quando regressava à aldeia.
Os seus bustos, estátuas e palavras estão espalhados pelas ruas de Melo e são muitos os caminhos a explorar.
O Roteiro Literário Vergílio Ferreira pode ser feito de forma acompanhada e presencial, com marcações na Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira, em Gouveia, com companhia digital, através da app Roteiro Vergiliano, ou em regime livre, seguindo percurso pedestre circular de 9km que percorre os principais pontos da aldeia (PR4 GVA).
Para Sempre, um dos seus grandes títulos (e um dos meus favoritos), termina no regresso à casa de Melo, a Vila Josephine: “Aqui estou. Na casa grande e deserta. Para sempre.”
Fechamos com esta bela sugestão de leitura para vos acompanhar nuns dias de lazer pelas alturas da serra. Boa viagem!
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