Hoje vamos descobrir o cobertor de papa, por vezes conhecido também (de forma mais criativa) por cobertor do Papa.

Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, foi o grande visionário e responsável pela indústria de lanifícios.

O triângulo Trinta, Meios e Corujeira agrega três aldeias da Guarda, onde a indústria da lã marcou o passo. Juntamos ainda Maçainhas, também vizinha, onde, em meados do século XVIII surgiram os populares cobertores.

Trinta foi a primeira aldeia do distrito da Guarda a ter luz elétrica, com sete fábricas a laborar. Hoje mantém a ligação a esses tempos, através das Jornadas da Lã, que acontecem em Junho, quando se tosquiam os rebanhos.

Em Meios podemos visitar o Museu de Tecelagem. Instalado numa antiga fábrica de cobertores de papa, activa entre 1954 e os anos 80, explica-nos o que é e como se fazem estes tradicionais cobertores, tão específicos como interessantes. No pico da produção, fabricavam-se 48 cobertores por dia e cada tecelão tinha à sua responsabilidade dar conta de seis ou sete.

cobertor de papa de Maçainhas

O Cobertor de Papa ou Cobertor de Papas é um cobertor artesanal tradicional, característico da região da Serra da Estrela, com fabrico manual a partir de lã churra de ovelhas mondegueiras. A lã é fiada e tecida em teares inteiramente manuais e, seguidamente, é feltrada num pisão, com água e terra (a papa). Terminado o processo (com lavagem incluída), as mantas são esticadas para secar ao sol, e cardadas.

Podemos identificar um cobertor de papa pelo seu pêlo branco comprido e cheiro característico. São impermeáveis, pesados, quentes, densos e felpudos. Tradicionalmente, eram abrigo dos pastores durante as subidas à serra, protegendo-os do frio, da chuva (no sentido do pelo são impermeáveis, por causa da gordura natural da própria lã) e dos lobos, confundidos com as suas cores e forma.

cobertor de papa de Maçainhas
O seu desenho continua a ser tradicional: por norma, a manta de papa é composta por duas cores naturais de lã de ovelha, dispostas em listas castanhas e brancas, acompanhadas também de riscas amarelas, vermelhas ou verdes, e bordados azuis. As combinações e desenho são específicos de seis variações.

O cobertor branco, a primeira peça de enxoval das moças casadoiras; o cobertor branco com três listas nos topos, em castanho ou verde; a manta lobeira ou espanhola, com listas brancas, castanhas, verdes, vermelhas e amarelas; a manta de pastor ou barrenta, com listas castanhas e brancas; o cobertor bordado à mão, com losangos azuis de um lado e riscas azuis, verdes ou vermelhas e o cobertor homogéneo, colorido, que combina listas das várias cores.

Nas últimas décadas, este exemplo de design tradicional português viu-se em vias de extinção, com o declínio da indústria da lã e o surgimento das novas fibras sintéticas e mercado de falsificações.

cobertor de papa de Maçainhas

Desde Maio de 2008, a Escola de Artes e Ofícios de Maçainhas está empenhada em revitalizar esta peça e a sua história, mantendo vivo o saber fazer. Forma novos artesãos e a produção do cobertor de papa foi retomada em 2011. Em 2014, passaram a ser marca registada no Instituto Nacional de Marcas e Patentes. Em Maio de 2015, surge o grande trunfo e prova da sua relevância: a Associação Genuíno Cobertor de Papa, com o objectivo de garantir a sua autenticidade.

Esta associação mantém em funcionamento todo o processo da produção do cobertor, ao mesmo tempo que desenvolve actividades ligadas à tecelagem e participa e organiza exposições e eventos. Recebe turistas, curiosos e estudantes de vários níveis, colabora com universidades e tem capacidade para dar formação em tecelagem.

Nestes tempos actuais de edredões, IKEA e consumo rápido, peças como esta perdem o seu lugar. Mas o facto é que são emblemáticas do design tradicional português, têm uma história e narrativa próprias, que reflectem o seu tempo e a memória do território. Algo que o projecto A Vida Portuguesa tão bem detecta, recolhe e volta a pôr diante dos nossos olhos – os cobertores de papa estão lá, nas suas lojas.

Resgatar estes objectos para os dias de hoje, pondo-os em confronto – ou em diálogo – com outro contexto, outros espaços e até outras funções, é honrar a sua qualidade original e as nossas tradições. Nada se perde, tudo ganha uma nova leitura e as próximas histórias começam aqui.

 

Imagens via Em cada lugar.