Em 1982, Maria de Lourdes Modesto apresentava o livro Cozinha Tradicional Portuguesa.

Esta bíblia da cozinha nacional, publicada pela Editorial Verbo, com direção artística de Sebastião Rodrigues e fotografia de Augusto Cabrita, a que se juntou também António Homem Cardoso – a nata criativa da época, teve uma segunda edição no mesmo ano e, hoje, já leva mais de dez – os exemplares da primeira edição têm estatuto e preço de raridade.

Este incrível registo gastronómico teve muitas vidas nos seus 40 anos de existência – também na gastronomia as modas mudam, chegam e partem tendências, e a nossa própria relação com os temas tem flutuações. É um livro que tem – ou teve – lugar cativo nas estantes e cozinhas de quase todas as casas (uma globalização antes do seu tempo, quando o mundo era muito mais simples), e cujo imaginário ainda está presente na memória de muitos de nós.

Se as suas receitas nos poderão parecer, aos olhos de hoje, um pouco pesadas ou com ingredientes que fomos deixando de usar, trocados por outros mais simples, mais “saudáveis”, mais “modernos”, o seu registo e a importância da sua fixação de forma permanente, contam a história do país, das suas regiões e tradições – e o prazer da boa mesa!

Gastronomia Aldeias de Montanha

A bíblia da gastronomia tradicional Portuguesa, por regiões

O livro está organizado por regiões, de norte a sul. Foram recolhidos milhares de receitas, trabalhadas durante mais de vinte anos, procurando as suas raízes e origens, organizando medidas e proporções na sua justa medida, porque “a precisão das fórmulas matemáticas não tem lugar na cozinha tradicional, em que pontifica uma certa dose de salutar criatividade e intuição”.

Destes milhares de receitas reunidas, elegeram-se 800 – que não bastam para esgotar o rico património gastronómico nacional! Escolheram-se os pratos mais característicos, confecionados e apresentados a preceito. Nas 338 páginas vive um arquivo valioso que nos fala de nós próprios. Mesmo que não apreciem o valor gastronómico (pode acontecer…), Cozinha Tradicional Portuguesa é um tesouro nacional que merece a nossa visita sucessiva – seja pelo seu arquivo, pela qualidade absoluta da equipa que o concretizou (o melhor fotógrafo, designer e diretor de arte na década de 80), a longevidade das suas consecutivas edições, a morosidade da sua criação ou as referências mais clássicas e infalíveis para o arroz de pato, pastéis de bacalhau, arroz de tomate, caldo verde, açorda ou cozido à portuguesa.

No belíssimo prefácio, Maria de Lourdes Modesto escreve: “Os constrangimentos da vida moderna não são um obstáculo: o receituário das nossas avós também tem soluções para a falta de tempo e de meios. Mas, sempre, preservando o que é essencial: a alegria, a imaginação, o prazer de estar à mesa.

Ao mesmo tempo reencontramos a nossa identidade, a nossa maneira original de ser e de sentir – que se manifesta com toda a sua diversidade e exuberância no receituário tradicional.”

Queijo da Serra

Pão de Videmonte

Gastronomia Aldeias de Montanha

Gastronomia da Beira Alta

O capítulo referente à Beira Alta começa com uma citação de Aquilino Ribeiro, e, na região, a comida de forno é rainha.

A comida beirã é rústica e simples, sem hesitações. E é também rica e generosa. Nas carnes, cabrito e borrego de raça bordaleira, nas suas variantes de forno e ensopado. Juntamos coelho e enchidos variados, javali aqui ou acolá. Nos peixes, bacalhau e truta estão presentes nas melhores ementas, e os acompanhamentos incluem batatinhas coradas, arroz perfumado com zimbro ou carqueja, ou acompanhado de míscaros. As feijocas, um feijão graúdo e cremoso, são a leguminosa a descobrir – uma delícia e um conforto, e as migas e grelos são grandes companhias. A abrir e a fechar, queijo da serra – o herói incontornável -, pão e broa de centeio, requeijão com doce de abóbora e arroz doce, outro grande clássico.

Estes são os sabores genuínos, feitos por pessoas genuínas, nas Aldeias de Montanha.

Aldeias de Montanha - Serra da Estrela

Onde comer

O melhor guia gastronómico continua a ser o Guia Boa cama, Boa Mesa, publicado pelo jornal Expresso. No entanto, na sequência do incompreensível e devastador ataque digital sofrido no início do ano, a plataforma ainda não recuperou todas as suas componentes e existe no seu formato provisório e mais reduzido, com contas de Facebook, Twitter e Instagram bem activas.

Outra excelente sugestão para partir à descoberta dos sabores da gastronomia da Serra da Estrela e das Aldeias de Montanha, é seguir, também, as nossas redes sociais, sobretudo o Facebook. Recentemente chamámos a atenção para O Albertino, na Aldeia de Montanha de Folgosinho, A Varanda da Estrela, nas Penhas da Saúde, O Vicente, em Loriga, e Santo António do Rio, em Vide-entre-Vinhas.

Mas há ainda os clássicos O Júlio, em Gouveia, contemporâneo da primeira edição do Livro de Maria de Lourdes Modesto, o Margarida, em Seia, e as novíssimas ofertas, com uma abordagem mais contemporânea, propostas por Vallécula, em Valhelhas, Casas da Lapa, em Lapa dos Dinheiros, ou Casa de São Lourenço, em Manteigas e Casa das Penhas Douradas, nas Penhas Douradas.

Bom proveito!