O projecto Queijeiras é um dos eixos de acção das Aldeias de Montanha.

Nas alturas da serra, as mulheres que produzem queijo são possuidoras de um enorme saber-fazer ancestral. Guardam e transmitem conhecimento vasto e são verdadeiras embaixadoras do território. No entanto, o seu papel e importância não são reconhecidos nem valorizados, e as suas capacidades de liderança e gestão, que põem em prática no dia-a-dia, estão desajustadas na perspectiva de negócio dos tempos em que vivemos

Podemos afirmar que a missão do projeto Queijeiras é o empoderamento feminino, homenageando, valorizando e dando voz às guardiãs da montanha.

O objectivo deste projeto inovador é, então, capacitar as mulheres queijeiras com novas ferramentas para  a sua valorização pessoal e profissional. Esta capacitação acontece sob a forma de uma mentoria, onde se trabalhará a criação de modelos de negócio, uma rede de networking, o desenvolvimento de marca pessoal e a comunicação dentro e fora das redes sociais, com a ajuda de um conjunto de parceiros qualificado e muito empenhado.

 

Parceiros do projeto

Pusemo-nos à conversa com quem faz o projecto Queijeiras: Célia Gonçalves, secretária executiva da Adiram; Ana Rita Ramos, jornalista e coordenadora do livro Guardiãs da Montanha; Sandra Pinho, designer e criadora da capa Queijeira; e D. Natália Lopes, queijeira.

Célia Gonçalves, secretária executiva da ADIRAM

Célia Gonçalves é, provavelmente, a maior entusiasta do projecto Queijeiras: basta vê-la nas suas apresentações públicas! A forma como nos explica o conceito, realça a sua importância e detalha o impacto presente e futuro, conduzindo tudo a bom porto, é contagiante e optimista.

 

  • Como surgiu o projecto Queijeiras?

Surgiu quando nos apercebemos que as mulheres queijeiras não têm o reconhecimento social e profissional digno da sua relevância, em especial no território das Aldeias de Montanha (Serra da Estrela e Serra da Gardunha). Por outro lado, não existem também oportunidades de formação profissional e pessoal criadas especificamente para estas mulheres trabalhadoras.

O ponto inicial do projeto foi o desenho de uma capa lindíssima e representativa da importância destas mulheres, num material nobre e originário deste território – o burel, feito com lã da ovelha Serra da Estrela. O formato foi inspirado na forma circular do queijo e a capa pretende homenagear estas mulheres trabalhadoras.

Qualquer pessoa pode comprar e usar a capa Queijeira, contribuindo para dar visibilidade a estas mulheres – a sua aquisição financia parcialmente um curso de empoderamento feminino, especificamente criado para as queijeiras.

Em simultâneo, está a ser produzido um livro que que recolhe testemunhos e histórias destas mulheres – tem o título de “As Guardiãs da Montanha”. Pretendemos fixar para as gerações futuras a importância destas verdadeiras embaixadoras do território, para que ninguém se esqueça.

 

  • Porquê este formato com foco no empoderamento e aquisição de novas competências?

A linha orientadora foi capacitar estas mulheres extraordinárias que ainda não desenvolvem as suas capacidades em pleno, sobretudo porque estão afastadas de oportunidades de formação adequadas ao seu perfil.

O projecto Queijeiras proporciona um conjunto de ferramentas que ajudarão estas mulheres a transitar para um contexto de empresárias de sucesso, oferecendo-lhes a oportunidade de se valorizarem profissionalmente e incorporarem práticas de gestão actuais e eficazes nas suas queijarias.

Acreditamos que é uma oportunidade de formação única, criada especificamente para o seu perfil. Irá decorrer durante um fim-de-semana, com a presença de Fernanda Freitas, jornalista e especialista em comunicação, e Rita Pelica, especialista em empreendedorismo e criatividade.

 

  • Como tem sido a adesão? Houve estranheza, hesitação ou, pelo contrário, é claramente uma oportunidade para ser abraçada?

A grande maioria das mulheres queijeiras dos nove concelhos aderiu sem qualquer reserva – sentiram-se muito agradecidas por alguém criar um projeto que as representa e valoriza.

Neste momento, 42 queijeiras dos nove concelhos das Aldeias de Montanha aceitaram este desafio, mas acreditamos que o número irá aumentar com o desenvolvimento do projeto!

Projecto Queijeiras

Ana Rita Ramos, coordenadora do livro “Guardiãs da Montanha”

Ana Rita Ramos é diretora da Have a Nice Day. Jornalista de formação, é apaixonada pelas temáticas da sustentabilidade e defensora de um jornalismo positivo que tanto tem caído em desuso nos últimos tempos. Tem nas mãos a responsabilidade de captar e dar forma às histórias destas mulheres valentes.

 

  • Fale-nos um bocadinho destas mulheres da serra, quem são?

São gente boa, trabalhadora, sã, com aquela espécie de ingenuidade que só se vê nos meios rurais, a inocência dos justos.

As queijeiras da serra da Estrela tiram partido daquilo que a natureza lhes dá, mas fazem-no com uma dedicação, um sacrifício e uma demonstração de amor supremo que tem sido comovente observar de perto. São mulheres que passam a vida inteira como soldados diligentes, trabalhando de sol a sol, numa dureza impressionante, sem se queixarem, tomando conta deste produto que leva o nome do Portugal ao mundo inteiro.
No fim de cada entrevista para o livro que a Have a Nice Day está a produzir para as Aldeias de Montanha, a grande impulsionadora deste projecto de homenagem e capacitação das queijeiras, só me ocorre dizer-lhes uma coisa: obrigada!

 

  • Qual é a importância de contar estas histórias?

Tem uma importância vital. Este é um projecto de capacitação e homenagem levado a cabo pelas Aldeias de Montanha. E bem precisamos de falar e de homenagear estas mulheres, resgatando-as do país da indiferença. Eu e a minha equipa andámos pela Serra, de aldeia em aldeia, de queijaria em queijaria, a ouvir as histórias destas mulheres e demos por nós a pensar que Portugal não trata nada bem o que tem de absolutamente único. Como país, fazemos uma péssima gestão da raridade, tratamos de forma hostil o mundo rural e o que ele tem de diferenciador para Portugal. Se, como país e como consumidores, não valorizarmos a produção artesanal do Queijo Serra da Estrela, um produto único no mundo, ele vai desaparecer em menos de duas décadas, porque estas mulheres estão a envelhecer e são poucos os que querem perpetuar a sua actividade. Nada é permanente, tudo muda, se decompõe, desintegra ou morre se não soubermos cuidar, valorizar, amar o que é nosso.

 

  • Quero ler este livro, como o posso fazer?

Os nove municípios da Serra da Estrela vão disponibilizar os livros em múltiplas plataformas. Além disso, estará à venda no site.

capa Queijeira

Sandra Pinho, designer da capa Queijeira

Sandra Pinho é a designer responsável pela criação da capa Queijeiras. O seu atelier, FaunaLab, tem vindo a trabalhar com as Aldeias de Montanha, nomeadamente para os Co-work Cooperativas.

 

  • Como surgiu a sua ligação ao projecto Queijeiras?

No desenvolvimento deste projeto encontrei, a nível pessoal e profissional, muitos interesses e afinidades com a visão e missão das Aldeias de Montanha.

Quando surgiu o convite para integrar a equipa como designer, identifiquei-me com o propósito deste projeto de empoderamento feminino, principalmente pelo mérito destas mulheres.

 

  • Porquê uma capa?

Dada a tradição das capas em Burel na Serra da Estrela, foi sugerido que houvesse uma interpretação deste acessório, de forma que fosse uma peça de vestuário que representasse as queijeiras na sua autenticidade e um objeto feminino, usável por qualquer mulher que se identifique com o conceito.

 

  • Fale-nos um bocadinho sobre o processo criativo:

Surgiram duas capas, uma curta e uma comprida, que têm na base do seu desenho uma intenção de simplicidade, sobriedade e elegância, com uma latitude suficiente que contemple a sua utilização por uma mulher rural ou uma mulher urbana.

A forma da capa é simples, despretensiosa. Tudo funciona à volta de um círculo, uma peça plana que ganha vida, volumetria e dimensão quando vestida. Quem faz a capa é a mulher que a usa, ela é o seu conteúdo.

A capa Queijeira é, também, uma peça de orgulho. Com peso, com narrativa, com intenção. As capas chamam-se “queijeiras” como homenagem as estas mulheres, mas estas mulheres são como todas nós, determinadas, independentes, ousadas, criativas…

Desenha-se um círculo que se fecha mas sempre volta onde começa. Presenciar o suceder das estações, das gerações, da sabedoria da serra, dos animais e das plantas. Do fazer, lento, suspenso no tempo. O que é verdade desde sempre, perdura mas reinventa-se. Desenha-se um círculo que se fecha mas sempre volta onde começa.”

Este é o texto gravado no interior, escrito por Ana Melo, designer e investigadora na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, que está à frente da estratégia de comunicação do projecto.

Queijeira Natalia Lopes

D. Natália Lopes, queijeira

A D. Natália é do Sabugueiro e tem 57 anos. Faz queijo desde que se lembra. Aprendeu com a mãe e, aos 14 anos, pôs a mão na massa sozinha. Casou, teve filhos e assim seguiu, até hoje, sem parar.

No projecto Queijeiras, encontrou a companhia das outras mulheres, queijeiras como ela, com os seus negócios. Acredita que é uma bela ideia, sobretudo porque dá visibilidade a este grupo de pessoas – as pequenas queijarias -, que tantas vezes desconhecemos e passam despercebidas, tanto na sua vertente pessoal (os seus nomes, as suas caras) como profissional (as suas marcas, conhecimento e competências).

A vida de queijeira é dura e muito ocupada, há sempre tarefas por fazer. Embora se conheçam de nome, faltava a oportunidade da convivência com mais proximidade e propósito, algo que o projeto veio trazer.

Para a D. Natália, a maior expetativa está no livro, que vai fixar as histórias destas mulheres, a dureza da actividade, a austeridade da geografia, as muitas vidas vividas numa só, para criar este queijo tão mítico e singular na nossa gastronomia.

Os seus 57 anos são recheados de muita vida, de muitas histórias e de muita resiliência, que partilha com entusiasmo e muito humor. Na sua cabeça (e coração), paira um livro por escrever, para as guardar e contar às próximas gerações. Ficamos à espera que o tempo lhe chegue para esta tarefa tão especial e generosa!

 

Chegamos ao fim desta primeira apresentação do projecto Queijeiras – é um assunto tão valioso que a ele voltaremos muitas vezes.

Estamos a dois meses do Natal: aqui ficam duas sugestões de presentes de Natal com intenção, impacto e uma história de valor e resiliência. De cada capa Queijeira, de cada livro “Guardiãs da Montanha”, sai uma promessa de futuro e empoderamento feminino, empreendedorismo e valorização territorial.

Ainda é cedo para desejar as boas festas?