Na Serra, os dias de verão são bem quentes.
Procuramos sombras refrescantes e, nos intervalos entre mergulhos e sestas, os livros são grandes companheiros de férias.
Mantendo o espírito leve e as boas sugestões, fomos em busca dos autores com ligação à Serra da Estrela: Vergílio Ferreira, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Miguel Torga, António Alçada Baptista e José Cardoso Pires.
Das suas vastas bibliotecas, destacamos uma obra de cada autor para a nossa lista de livros para férias, num total de seis volumes que traçam um retrato de Portugal no século XX.
Todos os grandes vultos da literatura portuguesa e a sua ligação ao território da montanha acontece pela geografia e pela temática: nasceram, viveram, escreveram.
Vergílio Ferreira: Para Sempre
Vergílio Ferreira nasceu na Aldeia de Montanha de Melo, em 1916 e aqui foi sepultado, virado para a Serra. A sua existência está fortemente marcada na aldeia, que descobrimos através do Roteiro Literário Vergílio Ferreira (acompanhado, com marcações na Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira (Gouveia), ou de forma livre, através da app Roteiro Vergiliano).
Frequentou o Seminário do Fundão e licenciou-se na Universidade de Coimbra. Foi professor do ensino secundário, um pouco por todo o país.
É um dos nomes maiores da corrente literária neorrealista e vencedor do Prémio Camões em 1992 (e de vários outros, ao longo da sua longa vida literária).
Manhã Submersa, os diários Conta-Corrente, Alegria Breve ou Aparição são alguns dos seus títulos mais conhecidos e para esta pequena lista de leituras de verão, escolhemos o romance Para Sempre, que termina no regresso à casa de Melo: “Aqui estou. Na casa grande e deserta. Para sempre.”
Aquilino Ribeiro: Terras do Demo
Aquilino Ribeiro é um dos grandes romancistas Portugueses da primeira metade do século XX. Conhecido por todos com o seu clássico da literatura infanto-juvenil, O Romance da Raposa, teve um passado político conturbado e foi fundador da Sociedade Portuguesa de Escritores. Em 1960 foi proposto, pelos seus pares literários, para o Prémio Nobel da Literatura. Em 2017 foi agraciado com honras de Estado e trasladado para o Panteão Nacional.
Terras do Demo foi escrito em 1919 quando Aquilino Ribeiro tinha 34 anos. Mais de um século depois, continua a levar-nos pelos caminhos, histórias e gentes da montanha, onde a natureza e o diabo ditam a sorte: “A serra é agreste, primitiva, mas tem carácter, sem dúvida. Comprazes-te em pintar-lhe as virtudes e encantos sem sombras, e não serei eu que te acoime de parcial. As tintas escuras são para o novelista e tens razão. Decerto que eu, ao chamar-lhe Terras do Demo, não quis designá-las por terras do pecado, porque o pecado seja ali mais grado ou revista aspecto especial que não tenha algures. Nada disso. A serra é portuguesa no bem e no mal”.
Miguel Torga: Portugal
Miguel Torga, pseudónimo do médico Adolfo Correia da Rocha, é também um dos poetas e escritores portugueses mais influentes do século XX. O seu nome é inspirado em Miguel de Unamuno e Miguel de Cervantes, ao qual juntou Torga (urze), uma planta herbácea que nasce nos planaltos mais agrestes.
Prolífico poeta, romancista e ensaísta, é apaixonado pelo país, fixando nas suas viagens as paisagens, monumentos, modos de falar, sabores e pessoas.
Em 1950 publica o livro Portugal, onde expressa a sua interpretação da alma nacional. No capítulo Beira, “a Serra da Estrela é uma personalidade. Descobre-se à distância de trinta léguas. Caminha-se para ela e fica sempre a mesma, altiva, remota, coberta com um manto real”.
Setenta anos depois, este magnífico roteiro turístico literário continua a merecer toda a nossa atenção.
Ferreira de Castro: A Lã e a Neve
Outro nome de peso na literatura Portuguesa do século XX, também de origens humildes, também emigrado no Brasil e também proposto para Prémio Nobel da Literatura, é Ferreira de Castro.
A sua obra mais conhecida e fulgurante é A Selva, escrita em 1930, mas é com o romance A Lã e a Neve que partimos à descoberta dos duros anos da industrialização no período da 2.ª Guerra Mundial e da vivência das gentes das terras frias da Serra da Estrela.
Publicado em 1947, é um clássico intemporal, abordando as complexidades do regime político e social da época, e a relação do homem com a paisagem.
António Alçada Baptista: Peregrinação Interior e José Cardoso Pires: O Delfim
As Casas da Montanha, na Tapada do Dr. António, na Aldeia de Montanha de Cortes do Meio, Covilhã, foram construídas na década de 1960 pelo arquiteto Luís Alçada Baptista, irmão do escritor.
Nas décadas de 60 e 70, António Alçada Baptista passava aqui grandes temporadas em família e acompanhado do seu círculo de amizades literárias, muitos deles ligados à revista que fundou, assente no pensamento e na cultura, O Tempo e o Modo. Entre visitas, tertúlias, conversas e manifestos, o refúgio do Salto do Lobo com vista inspiradora acolheu com esmero a elite literária da época, proporcionando um ambiente de troca de ideias, novas reflexões e obras literárias.
As casas encaixadas nos penedos, com pinheiros trazidos da Suíça por António Morais Alçada, avô do escritor e proprietário original do terreno, foram habitadas como espaços da família, das suas amizades e memórias.
Aqui, em 1971, António Alçada Baptista escreveu Peregrinação Interior e, em 1968, José Cardoso Pires, seu amigo, deu início a O Delfim.
A nossa lista de livros para as férias fecha-se com estes seis volumes dos nomes maiores da literatura nacional. Com um vocabulário rico, rigoroso e expansivo, são certamente uma grande descoberta (ou, para os mais velhos, redescoberta) de um Portugal que já não existe, fechado em costumes, tensões e tradições do antigo regime, mas feito também de paisagens, histórias e gente fascinante.
Explorem a vossa biblioteca local, as livrarias de bairro e digitais ou as estantes lá de casa, dos pais, dos tios, dos avós. Estes são autores clássicos e do seu tempo, é muito provável que ocupem um lugar físico e na memória de quem viveu nas décadas de 50, 60 e 70.
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